sábado, 13 de dezembro de 2008

o palhaço, carregando a corda e a vertigem da escada

tela de miguel almeida
- Queres que te atire esta corda?
- Não vou descer pela escada, é mais seguro...
- Pela escada?
- Sim, aqui há esse costume...
- Que raio de hábito! E se deitar o fogo à corda? Chegarias antes dela arder?
- Ia ser demasiado emocionante, ainda assim prefiro a escada...
- Que vou fazer eu com a corda?
- Sei lá! Não vais puder usá-la aqui, infringirias a lei!
- Já dominei uma das feras, e não estava dentro de grades, vi-a pela primeira vez numa revista!
Ainda fui a tempo...
- Quem estavas tu a proteger?
- As crianças, mas não me aplaudiram, roubaram-me a corda, teceram uma rede! Vou pescar
para o mar, vou assustar os peixes!!!
- Dava mais jeito ao trapezista...
- Ao trapezista?
- Sim, aqui há esse costume...
- Que esquisito, pensei que confiavam nos milhares de mãos que lá em baixo o
tentam apanhar...
- Essa tua corda alguma utilidade deve ter, mas eu vou arriscar o primeiro degrau!
É mais seguro...
- Que vou fazer eu com a corda?
- Vais encontrar utilidade, alguma vez a usaste?
- Não atirei-me sempre da janela, teceram-me uma rede!
- Afinal és mulher!
- Mas não arranjei marido!
- E aqui há esse costume...
- Preferes a escada? Que raio de hábito! Usam a mesma via para subir e descer!
- E tu não nasceste aqui?
- Sei lá, acho que sim, mas não me lembro de ter inventado as escadas... como as iria transportar? Tão pesadas, tão seguras... com raízes a crescer... e tão cheias de utilidade!!! Vou atar a minha corda a um balão e vou participar em “rodeos”, mas tenho de me apressar não se lembrem de construir uma escada até ao sol e conseguirem apagá-lo antes dele lhe pegar fogo!
- Não entendo... até estranho... durante este tempo não puseste os pés em cima de uma mesa!!!
- Que importa?
- Saberás tu viver?
- Não sei... estou no caminho...
- Vais para muito longe?
- Não sei para onde quero ir...
- Posso dar-te sugestões... um pais exótico...
- Correria o risco de não encontrar ninguém como eu! Sempre tive medo de ficar só...
- Alguma vez tiveste alguém?
- Não. Ainda não perdi o medo do escuro! Talvez por medo de quem não me pudesse fazer companhia...
- Tens medo de mim?
- Talvez, mas não és daqueles sons que me fazem cobrir o rosto para adormecer...
- Não te sou tão desconhecido?
- Não... não me recordo de ti!
- Queres que te conte o passado?
- Talvez o saibas fazer melhor do que eu... estive entre tuas mãos...
- Porque vieste ter comigo?
- Tens uma história bem curta para contar... nem precisei criar raízes... muitos sabiam que iria ser um deles, olhavam-me com expectativa, guardavam um segredo que ainda não lhes tinha sido revelado...aguardavam que saísse de casa e lhes dissesse as palavras!!! Depois riam... todos carregavam o que não lhes pertencia...
- Penso que tens medo do que os outros possam não revelar!!! E não tens medo de nada!!! Amanhã vais conseguir apagar a luz antes de adormecer?
- Não me irei esforçar! Vai ficar tudo como está... nem sei ler nas mãos dos outros...
- Um dia quis chegar mais perto... devagarinho... sem dar sinal de mim... avancei ainda mais devagarinho, dando a impressão de não sair do mesmo lugar... temias por ti própria... agora vais embora... amei aquele animalzinho, toquei-o! Sai sem te ter assustado...e aqui é esse o costume...
ana monteiro

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