domingo, 26 de abril de 2009

...discurso de vinte e cinco de abril 2009, assembleia muncipal covilhã...

“Muitas vão suspender, mas eu vou aguentar nem que tenha de pedir para ir trabalhar, se quiserem, despeçam-me'', cito a vivência e o testemunho de Anabela Vicente. “É muito complicado querer dar de comer aos nossos filhos e não termos', cito a vivência e o testemunho de Lídia Clemente, vivências paradigmáticas da ausência de pão, da ausência de terra, da ausência de quotidiano… Testemunhos paradigmáticos do cortejo condenado dos oitocentos trabalhadores, na sua maioria mulheres, com salários em atraso nas confecções da cova da beira. Em cima de suas cabeças conta é a certeza da pena do tombar no olho da rua. No espectro das “fábricas de morte” paira a condenação ao dia da refeição e não à refeição do dia.
Dos representantes da classe dirigente local, o bem nutrido registo infame da ataraxia; a acústica da resposta ignóbil do desprezo, da indiferença, o resgate da absolvição subversiva. O descarado, mas não novo, eleitoralismo da refeição em troca de um euro, a formula perversa de mobilizar.
Mas de que lado estão estes senhores neste processo grotesco?
O monolítico poder local compromete-se contra tudo isto, burla a verdade, porque o benefício do primeiro milho é sempre engordar a galinha do vizinho. Compromete-se contra o trabalho de que cada mulher e homem são depositários. Contra a sua mais básica necessidade. Compromete-se contra a marca da sua dignidade – o trabalho - usurpando o seu poder à auto-determinação.
O monolítico poder local, que se deveria comprometer com o desenvolvimento de toda uma população, forja na economia doméstica “virtuosas” dívidas de 88 milhões de euros... oitenta e oito milhões de euros de “virtude” … afinal os tempos também deram uns retoques no próprio conceito de “virtude”. Esta dissimulada economia doméstica, completamente falida e incoerente, “virtuosamente” estéril, escandalosa na sabotagem nos sonhos de vida e de futuro de um povo.
Dos cavalheiros representantes da classe dirigente nacional a impostura, tacitamente velada, do reconhecimento da inevitabilidade do desemprego, 484.131mil inscritos no Instituto do Emprego durante o mês de Março em Portugal, na sua grande maioria mulheres, e a Covilhã acompanha este número na sua percentagem máxima.
Os cavalheiros representantes da classe dirigente nacional administram o país em seu nome, dissimulam a necessidade de se manterem no seio da impostura, longos passos se dão para alimentar banqueiros, estas figuras paradigmáticas, que na sua autópsia revelaram nas entranhas a absolvição da má gestão, do roubo descarado, dos milhões da corrupção.
Engenheira é vassalagem da classe dirigente nos fundos, dos nossos impostos, que debaixo da sua albarda, nos recolhe e lhes dispensa em linha recta.
Engenheira é a vassalagem, que se transforma em nada, que amortece na conjuntura internacional a falta de responsabilidade, o desnorte da má governação.
Engenheira é a corrida desenfreada para o auditório do poder que descarta no seu catecismo a clave da miséria económica e social, dos magros salários, suavizada nos arrebates eufemistas das rasteiras da propaganda, mais um penalty que afinal não era penalty.
Engenheira é a pestilenta incompreensão de como a proletária autonomia e a proletária vontade de vencer é forte e honesta.
Tombam nas ruas de Abril as reivindicações pelo trabalho, tombam no arbítrio da liberdade.
Duzentos postos de trabalho em risco no Tortosendo. Estão em dívida 40 por cento do salário de Fevereiro e o salário de Março, bem como metade do subsídio de férias e do subsídio de Natal de 2008.
Foi este povo trabalhador que teceu e transformou pelo seu trabalho a operária liberdade, e hoje, nas ruas de Abril, já se cunha a sua nostalgia póstuma!
Mas este povo é manso!
Tarda na insurreição operária!
Tarda a guerrilheira reivindicação do trabalho como um direito!
Tarda a desabrida vontade de tomar o aeroporto e ocupar a rádio!
Há qualquer coisa de bafiento no epicentro da esfinge podre deste poder, que na nossa cidade determina o que vai acontecer, mestres nas piruetas e nos artifícios da circunstância e da pompa que em altitude se iluminam, adulados, venerados e bajulados por espantalhos. Podre poder automaticamente poderoso que se entranha e insiste no desenfreio do florescimento do mercado imobiliário, que vai-se lá saber porquê, esta insistência não corresponde à procura real de habitação na cidade. Vai-se lá saber porquê!
No reservado da soberania monolítica do poder local, onde se soltam gargalhadas, tiraniza-se ao exílio a identidade de uma cidade, abandonam-se centenas de casas na zona histórica da cidade. Bairros que fizeram história, agora territórios condenados, que anunciam, numa nova era de descontinuidade paradigmática, o fim da alma e a marca da dignidade. Investe-se na propaganda de “salvadores da urbe”, onde todos os compromissos assumidos com as gentes se transformam em menos que nada, neste universo partido mutila-se uma cidade ao serviço da vontade de clientelas. No escalpe da toponímia da cidade nascem elevadores de vã glória, as pontes de vã de eternidade, templos do vão consumismo, promessas vãs de felicidade.
A vida é bela e agradável, para os mesmos beneficiários de sempre, os privilegiados de classe.
Há qualquer coisa de bafiento no ar que aqui já não se consegue respirar, os ares da globalização, do desenvolvimento, das obras “extruturantes”, do cosmopolitismo saloio.
A diferença é expurgada nesta cidade, na política do pontapé, no repertório passional trauliteiro, carroceiro e calhoeiro, varre-se deste concelho quem olhe de esguelha o servilismo lacaio do regime. Escorraçam-se os legítimos opositores democráticos, censuram-se artistas e intelectuais opositores. Vinga esta cultura de patrocínio autárquico, atolam-se os inventores de novas formas de democracia, de novas armas consistentes de libertação.
O medo faz caminho, o medo de não arranjar e o medo de perder o emprego, o medo de serem substituídos por outros mais “empenhados” e mais “praticantes”, o medo de não conseguir a licença da Câmara, o medo da marginalização, o medo das garras disformes da justiça… o medo de perder a cunha para o lugar num lar de idosos… o medo… o medo… o medo de quem não joga com as cartas viradas para cima. O medo de aplaudir quem se compromete e de quem não amocha, o medo de aplaudir o cidadão da esfera livre, denunciado e serpenteado, pela ignorância do regime, como nocivo para os “crentes”. A ignorante nostalgia da dominação do passado.
Mas este povo é manso!
Tarda a guerrilheira dignidade de abrir livros proibidos!
Tarda a guerrilheira vontade de atravessar a rua!
Tarda o relâmpago da liberdade!

“A DEMOCRACIA É UMA POTÊNCIA E NÃO UMA FORMA”

Começam já a travar-se por toda a parte, neste mundo fora, novas lutas por novas vidas… vidas alternativas … irrompem, por vezes de forma sofrida, novas forças criadoras… alternativas formas de mobilização… novas formas de autonomia além desta sanguessuga forma de fazer trilhos na história… novas formas, não de mera resistência, mas capazes de construir novas moradas insubmissas ao império do dinheiro… começam já a travar-se já por toda a parte, neste mundo fora, inversões de lógicas que arredaram o povo do direito a decidir o seu próprio destino… irrompem, por vezes de forma sofrida, novas formas criadoras… alternativas formas de dar lugar à consolidação da humanidade… novas formas de legitimar um poder alternativo, quando o actual está gasto...
“As cidades transformar-se-ão ao mesmo tempo grandes depósitos de humanidade cooperante e em locomotivas de circulação, residências temporárias e redes de distribuição de massa para a humanidade livre.”

Ana Maria de Jesus Monteiro
Deputada Municipal - Covilhã

9 comentários:

Reverendo Bonifácio disse...

Ó mulher estavas possessa, viva! Falta de gente possessa temos nós, estes rebanhos ovinos não levam a lado nenhum, só seguem, seja o pastor bom ou mau, seja o cajado para amparo deste ou para arreiar no rebanho.

ANTONIO DELGADO disse...

Aplaudo de pé e destaco a ideia expressa no texto sobre o medo implantado na nossa sociedade e sobretudo "O medo de aplaudir quem se compromete e de quem não amocha, o medo de aplaudir o cidadão da esfera livre, denunciado e serpenteado, pela ignorância do regime, como nocivo para os “crentes”. Um abraço forte desde Alcobaça e Força Ana.

António Delgado

José Ricardo Costa disse...

Eh, mulher! Ainda chegas a Maria da Fonte da Covilhã. Bem dadas!

JR

Maria disse...

Discurso quase antagónico pela beleza das palavras na narração da realidade cruel.É esta a nossa realidade, da Covilhã ao Algarve. Mais do que nunca o 25 de Abril tornou se num imperativo, um grito diário aos 4 ventos contra a miséria existencial que nos pretendem infligir, os medos com que nos querem condicionar as Liberdades conquistadas há 35anos, as mentiras, os pesadelos existenciais, os desesperos e todos os sonhos lapidados....
Obrigada Ana pela tua reflexão tão real , na forma harmoniosa como descreves, na audácia da escolha das palavras e na esperança com que enches os nossos corações em LUTA, sempre, contigo com os TODOS nossos camaradas que sentem tudo isto!
à espera de te conhecer, um dia, quem sabe,
Augusta Maria (BE Portimão)

Genoveve Costa disse...

Parabéns Anita
Na política... vai em frente ... que atrás de ti... irá muita gente.
Orgulho-me de ser tua colega.

MANUEL CB disse...

Por culpa desta mulher é que eu faço parte de uma minoria que leu toda a "fundamentação da metafísica dos costumes", e nas férias do Natal.
Adorei este texto, stora nunca me esqueço de si.

daniel disse...

Lembro-me bem quando a stora adaptou uma frase célebre ao facto de ser noss Stora."eu fui a forma que a amiba encontrou para vos dar a conhecer o Paul Auster". Ainda o continuo a ler.

mun@ disse...

Olha menina tia xiripitiridicorococo, não percebi nada do que tu disseste... I Love you

Paulo Camacho disse...

Espantou-me a tua entrada na política, mas não me espanta nada a saída, que aplaudo de pé.