quinta-feira, 9 de julho de 2009

... não quero saber o teu nome...

" O Último Tango em Paris é já há muito um autêntico emblema erótico da História do Cinema, e certamente assim continuará nos demais tempos vindouros, algo lhe deve, visto esta ter salientado o incontornável estatuto que detém tão libertadora obra. Por outro lado, a censura foi terrivelmente ingrata para com o filme em questão, pois é vergonhoso e descarado o mesmo ser privado de ser descoberto por espectadores com idade suficiente para o fazer, visto que O Último… merece precisamente o contrário. Conta-se que para tal ser levado a efeito na altura, tornou-se moda ir ao estrangeiro (para quem o seu país padecia de conservadorismo doentio) para poder visioná-lo, dado o intenso hype polémico que vigorava. Em Portugal, o seu visionamento foi proibido pela ditadura, situação que se quebrou somente após a Revolução dos Cravos. Embora a dimensão controversa da obra supere a qualitativa (há muito filme bem mais aclamado que este enquanto que os mais controversos não são assim tantos), esta não é, nem de longe nem de perto, o típico caso de possuidora de imensa fama e desprovida de méritos que a honrem.
Quanto à sobejamente conhecida história: um homem e uma mulher. Em Paris. Ela, Jeanne (Maria Schneider), uma jovem bonita parisiense, enquanto procura um apartamento depara-se com Paul (Marlon Brando), um misterioso americano desolado e atormentado cuja infiel mulher se suicidou recentemente. Entre os dois nasce instantaneamente uma estranha atracção, prolongando-se num ardente e tórrido romance que afectará profundamente as suas vidas, à medida que Paul tenta superar a morte da mulher e Jeanne prepara-se para casar com o seu noivo Tom (Jean-Pierre Léaud), que está a realizar um documentário sobre ela.
É insolitamente estabelecido na relação entre os dois o factor anonimato, para além da não descortinação do passado de ambos, embora este seja consideravelmente alvo de revisitações, no entanto duvidosas. E se é verdade que às vezes sentimos mais medo quando não vemos fisicamente o perigo, também às vezes o fascínio é maior quando este não é quebrado pelo desvanecer da sensação sedutora de mistério que permanece nos corpos. Uma opção ousada que vai no complexamente intrigante espírito da obra, mas os méritos estão bem longe de terminar por aqui.
Os actores entusiasmam: Brando, nomeado ao Óscar de Melhor Actor, e desencantadamente irrepreensível, é o elemento desconcertante da “estória de uma vida” pela qual é acompanhado por Schneider, sem possibilidade de evitarem os tumores emocionais que se alastram gradualmente. Schneider, detentora de uma putativa cara de garota, que, por não transportar devidamente essa inocente vulnerabilidade, é com alguma naturalidade que faz jus à “gata” que muito bem cultiva a bel-prazer de Brando. Enquanto isso, Jean-Pierre Léaud, actor fetiche de François Truffaut, interpreta com inteligente dinamismo o seu personagem. Mas como não é só de actores que resplandece a obra, há também que referir outros campos gloriosos. Um deles: a fotografia antiquadamente sedutora a propiciar um maior espírito de sedução e a enfatizar o apaixonante sentimento de mistério e obscurantismo que paira em muitas atmosferas de incerta tragédia emocional. Outro: a banda sonora jazzy a condensar eximiamente o ambiente carnal munido de notáveis requintes estéticos. Para estes, muito contribui a câmara de Bertolucci, nomeada ao Óscar de Melhor Realização. Esta, quando não se revela sobriamente discreta, opta por sentidos devaneios, ora a estilizar os espaços, ora a potenciar ainda mais a carga de visual deslumbramento dos personagens. Personagens esses com arrebatador fascínio, com um elevado grau de complexidade emocional, com uma intrigante carga de mistério, com… alma. "

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