terça-feira, 10 de novembro de 2009

...partidocracia...

"Há muito que as águas da política portuguesa escorrem conturbadas. A cidadania, como se não estivesse já suficientemente em crise, é agora surpreendida com mais casos de corrupção: branqueamento de capitais, tráfico de influências, empresas falsas, concursos e operações fraudulentas, offshores, luvas a banqueiros, e muitos mais etceteras. Como se não chegasse esta cadeia de despropósitos, o acto está ainda protagonizado e associado a alguns políticos, ou melhor, a antigos políticos: pessoas afectas a partidos responsáveis. Homens que deveriam ter comportamentos irrepreensíveis e ser uma referência ética e moral para o resto dos mortais.
A corrupção, seguramente inevitável na vida pública, parece ter no nosso país, proporções, particulares. É consequência da partidocracia e da má qualidade da democracia que se vai gerando. Os maiores partidos políticos não se livram dela: desde o uso indevido e privado de um veículo oficial, até ao desaparecimento de milhões de euros, tudo é possível.
A originalidade lusa, neste campo, demonstra que os corruptos não actuam em comandita, mas por si. E quando surge um escândalo normalmente só afecta um partido. No entanto, raro é o caso onde não exista, para com os supostos corruptos, uma onda de solidariedade entre militantes do partido afectado, militantes interpartidários e até entre partidos. Talvez seja esta a razão que leva representantes partidários, com responsabilidades políticas e institucionais, a afirmarem que “a política não se deve desacreditar”, em vez de irem ao fundo do problema.
A realidade também demonstra que a nenhum dirigente político interessa fórmulas para combater a corrupção, melhorar a eficácia nos mecanismos de controle, as condições de acesso aos cargos públicos, a vigência das regras éticas e a importância da moral pública. Nada disto é objecto de debate e não está na agenda de nenhum. Normalmente, nas suas prioridades encontramos ideias genéricas, posições fugidias e palavras vazias. Não se ouve uma reflexão que vá além da presunção de inocência, da humilhação da família, das peculiaridades dum caso e no período em que sai na imprensa, e da inconveniência de generalizar. Até aqui chegam, porque do que se trata em questões partidárias é de absorver o impacto do assunto e passar a página, para voltar quanto antes ao de sempre.
Em cada novo escândalo, o “colunista mor ” exige que se ponha limite à corrupção política. Limite à corrupção política? Nada mais simples: alterar a forma como são escolhidos os deputados distritais; Instituir eleições directas nas secções concelhias dos partidos, nas federações e para a presidência. E, sobretudo, fazer a separação entre poder judicial e político. Deste modo talvez pudéssemos aspirar a uma democracia e não a esta partidocracia, cuja essência é a impudência, onde uma linha ténue e impercebível, entre o bárbaro e o votante, separa o abjecto do refinamento.
Admito que a corrupção e os oportunistas existiram sempre. A diferença é que em democracia estas coisas acabam por sair à luz e nas ditaduras e regimes autoritários, ou nunca se sabem, ou olha-se para o outro lado esperando que nunca mais se fale quando alguma coisa suja emerge.
Se existissem em Portugal organizações políticas transparentes e revitalizadas, instituições ágeis e eficientes, resguardadas por uma cidadania comprometida nas questões colectivas, o país certamente sairia do lodaçal onde alguns tentam amarrá-lo.
Apesar de não podermos pensar num golpe qualquer, como forma de acabar com a nossa democracia, reconheço, no entanto, que os escândalos de corrupção, geram cepticismo e muito desafecto com a coisa pública. Eles são capazes de promover o populismo e a demagogia que já andam por aí à solta e são muito próprios de regimes opacos e fechados." António Delgado - http://www.ecosecomentarios.blogspot.com/

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