segunda-feira, 23 de agosto de 2010

...não foi por "cobardia" que Lobo Antunes faltou...

"Escritor falhou encontro em Tomar depois de ex-combatentes o terem ameaçado de pancada por relato da guerra colonial
Não foi por cobardia - por ter medo de levar um "par de murros" que um grupo de ex-combatentes lhe prometeu - que António Lobo Antunes faltou no sábado à noite a uma tertúlia em Tomar.
Lobo Antunes veio ontem a público desmentir a organização, que disse que o escritor invocou "motivos de segurança" para justificar o cancelamento do evento.
A tertúlia estava marcada para sábado, o mesmo dia em que o Expresso noticiou que o grupo de oficiais na reforma ameaça "ir ao focinho" de Lobo Antunes por causa de declarações do escritor sobre a guerra do Ultramar.
Ontem, Lobo Antunes confessou ter ficado "indignado" com o vice-presidente do Turismo de Lisboa e Vale do Tejo. "É completamente mentira a justificação dada por Manuel Faria", disse à Lusa.
O escritor explicou que foi convidado para ir a Tomar falar sobre livros e dar autógrafos. Mas na sexta-feira, já durante a viagem, leu num jornal que o objectivo da organização era que ele fosse falar dos seus tempos de tropa. Foi então que decidiu voltar para trás.
"Senti-me enganado. Foram desonestos comigo. Afinal aquilo era uma operação de propaganda do senhor do turismo", afirmou o escritor. "Não sou cobarde, não tenho medo de ameaças."
A justificação não calou as críticas. José Ribeiro, amigo do escritor, condenou-o por faltar ao seu compromisso. "Tomar esteve à altura da obra do António Lobo Antunes, mas ele não esteve à altura de Tomar", disse.
Por detrás das ameaças estão as declarações no livro Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes, publicado há um ano. O livro de João Céu e Silva - jornalista do DN - é uma compilação de entrevistas. A passagem controversa é aquela em que Lobo Antunes fala da sua experiência como médico na guerra em Angola.
O escritor começa por dar conta do número brutal de baixas no seu batalhão e conta como os portugueses se esforçavam para acumular pontos para se conseguirem mudar para zonas mais calmas. "Fazíamos tudo, matar crianças, mulheres, homens. Tudo contava, e como quando estavam mortos valiam mais pontos, então não fazíamos prisioneiros."
No final de 2009, começaram a circular nos blogues de ex-combatentes mensagens de ameaças físicas. Militares que estiveram em Angola a combater acusam o escritor de mentir e chamam-lhe "bandalho" e "atrasado mental".
No sábado, o Expresso noticiou como um grupo de oficiais na reforma pediu ao chefe de Estado Maior do Exército que patrocinasse uma acção contra o escritor, por atentado à honra dos militares. A ideia não vingou.
Lobo Antunes disse, ontem à Lusa, que "nunca pretendeu ofender as Forças Armadas portuguesas", das quais fez parte, lembrando que os seus avôs materno e paterno também foram militares.
Em entrevista ao DN (ver final do texto) afirma: "Não sou historiador, os meus livros são romances, e tudo o que escrevo passa pela verdade da ficção. Qualquer outra interpretação é abusiva. Começo a ficar cansado de constantes invasões à minha vida privada e das más interpretações do que escrevo ou digo". DN

entrevista ao DN
"Ficou surpreendido com a justificação que foi dada pelos responsáveis da Junta de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo por ter cancelado a sua ida a Tomar?
Fiquei surpreendido e indignado com a reacção da Junta de Turismo por eu recusar ir a Tomar, porque pensava que iria participar de um evento literário e não fazer propaganda ao próprio organismo.
Quando é que decidiu não participar na iniciativa literária para que foi convidado?
Ia a caminho desta cidade quando li uma notícia no Jornal de Notícias, em que um responsável da Junta de Turismo referia que eu estava a seguir os conselhos do Presidente da República e a fazer férias em Portugal em vez de as realizar no estrangeiro. Fiquei indignado, repito, com a utilização da minha pessoa e telefonei imediatamente a cancelar a minha participação no evento, pois o convite fora-me feito como escritor e não para fazer propaganda ao turismo de Tomar. Cidade de que, desde já digo, muito gosto e à qual estou ligado por ter passado vários meses no hospital militar aí existente antes de ir como militar para Angola.
Não foi por receio que cancelou a presença na iniciativa?
Que fique claro que não tenho medo de qualquer represália física ou outra, seja de quem for, para evitar ir a Tomar ou a outra cidade. O que me chocou nas declarações do vice-presidente da Junta de Tu-rismo, Manuel Faria, foi o facto de serem considerações mentirosas, ao quererem fazer-me passar por aquilo que não sou: um cobarde.
A que se deve este tipo de linguagem tão palavrosa com que alguns militares se lhe dirigem na Internet?
Os epítetos de que me acusaram sob uma linguagem inaceitável poderão ser melhor aplicados ao outro do que a mim. Não se podem confundir livros com vida privada. Deus sabe os problemas que tive aquando da publicação de Os Cus de Judas, do Fado Alexandrino e do Tratado das Paixões da Alma, entre outros livros. Para não falar da celeuma política que o livro As Naus provocou e que até me colocou sob grande perigo na altura. Não sou historiador, os meus livros são romances, e tudo o que escrevo passa pela verdade da ficção. Qualquer outra interpretação é abusiva. Começo a estar cansado de constantes invasões à minha vida privada e das más interpretações do que escrevo ou digo."

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